Galerias de arte e museus na era dos selfies

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Entrei outro dia numa galeria de arte nos Jardins, aqui em São Paulo, e, encantada com uma das obras, perguntei à atendente se eu podia tirar uma foto – uma pergunta só por educação, óbvio que sim, pensei eu. Ledo engano, a resposta foi um categórico “não, aqui é proibido tirar fotos”. Questionada por mim sobre o motivo, ela veio com a frase-padrão de atendentes mal treinadas: “Ordens da gerência”. Eu considero uma frase como esta – e a sua variação “política da loja” – além de burra, desrespeitosa. Burra, porque não explica absolutamente nada, e desrespeitosa porque trata o cliente como uma criança teimosa que fica perguntando demais e a gente responde com um “porque sim” pra acabar com a conversa. Na hora me deu vontade de perguntar se o que estavam vendendo era contrabando, o único motivo plausível para mim de, nos dias de hoje, se abrir mão de uma poderosa forma de divulgação gratuita, que pode render muitos frutos a qualquer tipo de negócio. Mas, neste dia eu estava com preguiça de dar aula de graça de marketing e bom atendimento e fui embora sem falar nada.

Felizmente esse tipo de mentalidade é cada vez mais rara e até museus e galerias de arte, onde sempre reinou a política de não permitir fotos, já se convenceram do poder das mídias sociais e já as estão usando a seu favor. Em um artigo publicado esta semana no The Wall Street Journal intitulado “The Top Selfie-Worthy Museum Shows of 2017“, a colunista de arte e cultura Ellen Gamerman, comenta como Instagram, Twitter e Snapchat vêm transformando exposições em experiências de cultura pop e enumera algumas exposições, que museus e galerias americanas estão programando para 2017, especialmente pensadas para terem forte poder digital para atrair a atenção de visitantes. 

Uma delas, bem parecida com a que já veio ao Brasil em 2014, está sendo organizada pelo Hirshhorn Museum and Sculpture Garden. O museu, que faz parte do Smithsonian Institution em Washington DC., apresenta a partir de fevereiro a exposição Infinity Mirrors, uma retrospectiva da artista japonesa Yayoi Kusama, aquela das bolinhas, que incluirá seis salas espelhadas, cheias de balões, luzes intermitentes e muito mais. Por onde passa, a exposição tem provocado um reboliço nas mídias sociais e sido um ímã de celebridades: no museu Broad em Los Angeles atraiu Katy Perry e Adele. A expectativa do Museu Hirshhorn é que fotos compartilhadas da mostra ajudem a quebrar seus recordes de visitação.  “Hoje é muito fácil construir uma comunidade local, mas também uma presença nacional e internacional. A mídia social permite que você faça isso de uma forma jamais imaginada“, diz Melissa Chiu, diretora do museu em entrevista ao WSJ. E parece estar funcionando, a exposição ainda nem começou e a hashtag #InfiniteKusama, criada pelo museu, já tem mais de 400 publicações atingindo cerca de 8 milhões de pessoas.

SOOO pump(kin)ed for Yayoi Kusama #InfiniteKusama #contest

Uma foto publicada por Isabel Ryan (@isabizzy) em

Um outro exemplo citado no artigo, foi o sucesso da exposição da artista multimídia suíça Pipilotti Rist no New Museum de Nova York, que incluía projeções em telões em forma de ameba no teto e camas para melhor apreciá-las e que quebrou todos os recordes de visitação da instituição. O número de posts no Instagram etiquetados com o nome do artista (#pipilottirist) chegou a triplicar ao longo da mostra.

Este artigo no WSJ me fez lembrar de uma outra iniciativa, que eu achei genial na época e que fui procurar agora no Google para relembrar os detalhes. No início do ano passado, o Art Institute Chicago promoveu a exposição “Van Gogh’s Bedrooms” criando uma cópia fiel do quarto do artista em Arles, na França. O quarto foi recriado em um apartamento numa área nobre de Chicago, que as pessoas podiam reservar através do Airbnb para passar uma noite e ainda ganhar duas entradas para a exposição. Um dos diretores do museu foi o primeiro a aproveitar a estadia e postou toda a experiência nas redes sociais do museu. As reservas bombaram e a iniciativa funcionou melhor do que o esperado, ajudando o museu a alcançar o maior número de visitantes em mais de 15 anos, a ganhar milhares de seguidores nas mídias sociais e a capturar gratuitamente o equivalente a 6 milhões de dólares em impressões de mídia.

Para os mais conservadores, esse tipo de iniciativa pode parecer um sacrilégio, um desrespeito à arte. Mas, se esse tipo de ação levar mais pessoas a museus e galerias de arte, ajudar com a arrecadação de ingressos a manter museus abertos, ou galerias de arte a vender quadros, o que há então de tão ruim em desmistificar e democratizar a arte?

E os dados são impressionantes: mais de 220 milhões de posts no Instagram têm a hashtag “art” (#arte tem quase 16 milhões), com museus como o Louvre em Paris e o Museu de Arte Moderna de Nova York marcados mais de um milhão de vezes cada um. Uma ação mundial chamada Museum Selfie Day, criada no Twitter em 2014, convida visitantes a tirarem selfies em museus e postarem as fotos em suas redes sociais com a tag #MuseumSelfie. A iniciativa, que tem hoje quase 39 mil posts somente no Instagram, visa aumentar a consciência sobre a importância de se apreciar todos os tipos de obras de arte expostas em um museu. A palavra museu em si tem a conotação de ultrapassado, velho, mofado e empoeirado, com a iniciativa, está se tornando sinônimo de engraçado, alegre, moderno. Como isso pode não ser bom?

History of #selfie 📸 #tbt to #funtimes in #louvremuseum #apollonstatue #museumselfie #louvre #paris 🗼🖼 🇫🇷

Uma foto publicada por 👻 smizletina (@smizletina) em

Todos esses resultados provam que mesmo instituições sérias e tradicionais como museus e galerias podem abraçar as mudanças na sociedade, sem se desviar de seus valores ou desvalorizar o seu nome. Não importa o quão grande você é, ou quanto você queira manter a tradição, todos precisamos evoluir. Os comportamentos mudaram assim como os conceitos, se antes era preciso investir muito dinheiro em apenas um canal de divulgação, hoje é preciso diversificar os canais e, principalmente, a estratégia de comunicação. Conteúdo compartilhado por pessoas normais, ou “everyday influencers” no jargão publicitário, é uma excelente oportunidade. Afinal, pessoas confiam em pessoas e consumidores buscam opiniões reais na hora de comprar ou de usar um serviço. Segundo dados da associação americana WOMMA (Word-of-Mouth Marketing Association – sim, existe uma associação do marketing boca a boca), quando utilizamos everyday influencers combinados a outras mídias, eles podem potencializar em 15% os resultados de uma campanha.

Então, donos de lojas, restaurantes, galerias de arte, pequenos e grandes negócios, se já estão usando as mídias sociais, intensifiquem com ideias inovadoras, e se ainda não estão usando, chegou a hora de começar a fazer parte dessas conversas e a direcioná-las para trazer resultados para o seu negócio.